De coadjuvantes a protagonistas: as mulheres e o carnaval no Brasil.

De coadjuvantes a protagonistas: as mulheres e o carnaval no Brasil.

Se hoje as mulheres ocupam cargos importantes no Carnaval de rua, e até bloquinhos exclusivamente femininos, foi graças a muita luta para poder alcançar esse protagonismo feminino. Anteriormente, as mulheres só apareciam como coadjuvantes, peças decorativas para carregar um estandarte, ou para dar uma “sambadinha”.

A origem do Carnaval brasileiro remonta aos entrudos, uma tradição trazida pelos portugueses durante o processo de colonização do país. As pessoas saiam às ruas com baldes de água, seringas e bisnagas d’água e bolas feitas de cera com água perfumada dentro. Esse festejo acontecia nos dias que antecediam a quaresma. Não demorou muito para que os entrudos saissem do Rio de Janeiro e se espalhasse pelas outras cidades do país.

Entrudo.

Segundo Luiz Felipe Ferreira, criador do Centro de Referência do Carnaval e professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), “poucas mulheres participavam, porque, durante todo período colonial, a rua era um espaço masculino. O papel da mulher era ficar em casa”. O professor conta que era mais comum a presença das mulheres nos chamados entrudos familiares, que acontecia dentro das casas.

Esse tipo de festa durou até meados do século 19, onde a partir daí, os costumes portugueses foram se misturando aos novos importados do velho mundo. Como exemplo, podemos destacar um estilo de carnaval mais sofisticado, com bailes a fantasia e com desfiles dos antecessores conhecidos carros alegóricos, organizado por homens que estavam à frente das sociedades carnavalescas.

Carro Alegórico do clube Tenentes do Diabo: ‘ Dragão Alado’, carnaval de 1915, em Minas Gerais

Nesses bailes, as mulheres assistiam a festança do camarote, mas não participavam. A presença delas, no entanto, só era notada nos momentos de cortejo. Enquanto das janelas dos grandes casarões, assistiam os carros alegóricos passarem pelas ruas, sem permição para participar da folia.

“As prostitutas polonesas e francesas das casas mais ricas e sofisticadas desfilavam luxuosamente despidas nos carros. Foram elas, inclusive, que ensinaram aos homens como se fazia um Carnaval, porque muitos deles nunca tinham ido à Europa”, diz Olga von Simson, professora do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora de Carnaval em Branco e Negro (Edusp).

Foi apenas na segunda metade do século 19 que o controle sobre as mulheres no Carnaval foi se afrouxando.

Organizado por grupos de classe média da sociedade, os cordões e blocos desfilavam a pé pelas ruas da cidade. A presença feminina nesses cortejos foi bem restrita ou quase nula, visto que eram proibidos pela polícia. Foi somente nas primeiras décadas do século XX que as mulheres começaram a participar com mais frequência e em maior número.

Já nos desfiles mais sofisticados, contendo enredo, instrumentos de sopro e corda, a participação das mulheres foi precoce. A principal atuação feminina foi na produção e confecção das fantasias, além da organização de eventos para arrecadação de dinheiro para o festejo.

As “tias”, mulheres baianas que abriam as portas de suas casas para a reunião dos sambistas durante o ano, oferecendo um espaço seguro longe da perseguissão da polícia, foram as responsáveis pelo Carnaval que conhecemos atualmente. Para a jornalista Bárbara Pereira, doutora em história social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro “as tias são o epicentro dessa cultura do Carnaval. Suas casas eram espaços de sociabilização e proteção”.

Uma das figuras mais influentes para o surgimento do Carnaval carioca foi Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata. Na casa de Tia Ciata, na Praça Onze, foi criado o primeiro samba gravado em disco.

Tia Ciata

Entre o final dos anos de 1920 e inicio dos anos de 1930, o Carnaval passaria por novas transformações, quando foram fundadas as primeiras escolas de samba. A partir de então, as mulheres começaram a conquistar e ganhar seu próprio espaço nos desfiles.

O historiador e escritor Luiz Antônio Simas explica que “o matriarcado na história do samba fez que houvesse uma presença feminina significativa desde o início das escolas, com a ala das baianas e a ala das pastoras, que cantavam em coro o samba-enredo junto com o puxador”. Essa transformação abriu caminho para que as mulheres conquistassem outros postos nos desfiles, como por exemplo, Dagmar da Portela, que em 1939, se tornou a primeira mulher a tocar nas baterias.

No samba-enredo, as primeiras assinaturas de mulheres datam da década de 50, e em 1965, Dona Ivone Lara se tornou a primeira mulher a assinar um samba-enredo por uma grande escola de samba.

Dona Ivone Lara

Atualmente, já existem muitos blocos de rua dirigidos e exclusivamente para mulheres, como por exemplo: Ilú Obá de Min, Mulheres de Chico, Não é Não, Filhas da Lua, Siga Bem e Caminhoneira.

“Mas ainda são poucas nestas posições, porque persiste a ideia de que há nas escolas lugar de mulher e de homem, especialmente nos postos de poder, como a diretoria, e de mais prestígio, como a composição”, conta a historiadora Marília Belmonte, que pesquisa a velha guarda e a ala das baianas de seis escolas de samba de São Paulo.

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