Raquel é uma criança inteligente e que sempre está alerta as coisas que acontecem a sua volta, dentro de sua casa. Desde os tempos antigos, das gerações de nossos avós, sabemos que as crianças eram vistas como pessoas inferiores e que não deveriam se meter nos assuntos dos adultos, pois era considerada uma falta de respeito. E na família de Raquel esse contexto é exatamente igualzinho, eles também acreditam que em assunto de gente grande criança não deve se meter, mostrado no trecho a seguir: “Outro dia eu perguntei: o que é que tá acontecendo que toda hora tem briga? Sabe o que é que eles falaram? Que não era assunto para criança.” (BOJUNGA, 2017, p. 19).
Raquel tenta fazer de tudo para ser ouvida pela família, o que não dá muito certo. A todo o momento ela tenta dar a sua opinião e falar, mas não obtém sucesso em suas tentativas, apenas repreendimento pelos pais. Justamente por este motivo que a menina deseja muito ser adulta logo, pois assim ela poderia participar das conversas dos adultos e assim dar a sua opinião que seria aceita sem repreendimentos ou brigas.
Por isso que ela se sente extremamente chateada por esses acontecimentos. Essa chateação pode ser vista no trecho a seguir: “Prezado André: Ando querendo bater papo. Mas ninguém tá a fim. Eles dizem que não têm tempo. Mas ficam vendo televisão. Queria contar minha vida. Dá pé? Um abraço da Raquel.” (BOJUNGA, 2017, p. 10).
Raquel conta todas as suas frustações por ser pequena e por não darem ouvidos a ela. André resolve aconselhar a amiga para parar de dar ouvidos as críticas e implicâncias da família, e começar a fantasiar as suas histórias, assim ninguém iria mais ficar pegando no pé dela.
Neste trecho a seguir podemos perceber o momento exato em que a menina relata ao seu amigo o seu real pensamento pelo qual é sempre excluída pelos familiares.
Querido André: Quando eu nasci, minhas duas irmãs e meu irmão já tinham mais de dez anos. Fico achando que é por isso que ninguém aqui em casa tem paciência comigo: todo mundo já é grande há muito tempo menos eu. […] Tô sobrando, André. Já nasci sobrando. É ou não é? (BOJUNGA, 2017, p. 11).
Posteriormente mais tarde em outra carta ao amigo ela diz que: “Não adianta André: gente grande não entende a gente…” (BOJUNGA, 2017, p. 18). Justamente por esse motivo a menina acredita que somente se tornando adulta é que o problema estaria resolvido e em fim ela teria voz.
Esse ressentimento acerca da imaginação dela pode ser identificado nos momentos em que ela é cortada em sua autonomia: primeiro o irmão, dizendo “- Guarda essas ideias para mais tarde, tá bem? E em vez de gastar tempo com tanta bobagem, aproveita para estudar melhor. Ah! E olha: não quero pegar outra carta do André, viu?” (NUNES, 2017, p. 18) e, depois, a irmã, que retruca: “Como é que você pode pensar tanta besteira, hem, Raquel?” (BOJUNGA, 2017, p. 22).
Assim vemos as repressões dos desejos e pensamentos da menina. Aparentemente a família de Raquel prefere silenciar os seus desejos e sua criatividade é considerada como descabida e ofensiva. Então é melhor deixar a vontade guardada dentro da bolsa para que ninguém incomode.